Desde que o aparelho de som que minha avó me deu parou de funcionar, há um vácuo na minha forma de existir. É como o estampido de uma garrafa de champanhe que abre sem explodir em espuma, respingar e molhar os dedos. Um oco do oco, o som vazio de uma saudade aguda que só encontra o vácuo.
E não é da saudade de vó que falo, mas da saudade de mim. Falta algum tempero nos meus dias, aquele ingrediente que se você não usa, a comida continua boa, mas não encanta a língua, só alimenta, não enfeitiça.
Existem outras formas de ouvir música e eu sei, uso. Durante mais de 15 anos, eu abri a tampa cinza e assoprei “pra tirar a poeira e não arranhar o CD”. Se o disco arranha e trava a continuidade de uma música, embaralhando o som, há uma perda, uma ruptura naquela sequência de faixas que construiu remendos nas suas lembranças.
Eu tentei várias vezes colocar o Toshiba pra funcionar, esqueci CDs lá dentro para ligar noutro dia, noutra semana e de supetão, num propósito anunciado, ouvir o lamento ou a luxúria de alguma nota. Nada. Nessas de esquecer discos, esqueci um “muncadinho” de mim dentro daquela caixa cinza e parece que não me encontro mais nunca, nem sem querer.
— H. Conrado