Vô, que foi pintado por Almeida Júnior sem que nenhum dos dois soubessem, tem a dentadura mal feita e faz bastante barulho enquanto mastiga banana caturra. Costuma dizer que Getúlio, Juscelino e Luiz Inácio foram injustiçados e, ao telefone, disse uma vez que eu deveria escrever sobre isso depois de me formar.
Seu Casimiro é acobreado e, ao passo que a cor é presente de sertão, não tem rugas o suficiente para alguém que labutou toda a vida no sol. Fala sozinho com frequência: dialoga, resmunga, conjectura e dá respostas a si mesmo sem precisar se dirigir a alguém. Isso eu herdei dele.
Um dia, depois de mais de 30 anos dividindo a vida com minha avó dona Almita, resolveu que voltaria a um amor de juventude e largou tudo. Ninguém entendeu, nem eu. Hoje, acho que nem ele.
Vô, que até hoje usa um bigode milimetricamente aparado, não é o mesmo dos anos lá atrás. Nem o bigode poderia ser, já que grisalho está e vai permanecer. Nem a moça, que hoje também não é moça mais. Todos muito diferentes e velhos demais para caírem nesse papo de primeiro amor. Pois a aventura não durou nem um ano.
Vô alugou uma casa de frente para a minha avó, porta com porta, e agora é um homem solteiro com mais de 70 anos. Antes do meio-dia, almoça a comida de dona Almita. À tarde, gosta de passar na vizinha de frente para tomar um cafezinho. Pouco se olham, mal se falam. Talvez, se ele usasse Facebook, publicaria um status sentindo-se decepcionado: “ex? corre que é cilada, Bino”.
— H. Conrado
P.S.: este da foto é meu avô.