Quando acordo, encontro a marca das minhas unhas na palma da minha mão. Isso quer dizer que passei a noite inteira de punhos cerrados, como se estivesse fazendo força para suportar – ou, pior, como se meu inconsciente dissesse que está pronto para entrar em uma briga que não tenho coragem.
Mas, antes disso, ainda pela madrugada, desperto com minha nuca tentando se colar às minhas costas. Isso quer dizer que, enquanto durmo, faço tanta força para me encolher que quase me dobro ao meio. Onde quero me encaixar que preciso me diminuir tanto? Ou: onde tenho de me encaixar que, para isso, preciso ser tão menor do que sou?
Durante o dia, pelo menos duas ou três vezes, preciso comer alimentos ruidosos e mastigá-los com força o suficiente para que eu me sinta triturando e devorando algo. Foi assim que passei a incluir na lista de compras a embalagem econômica com 12 pacotes do biscoito que, se a rapidez do dente não der conta de esmagar, posso engolir inteiro sem o risco de morrer engasgada – como quase aconteceu com as uvas uma vez. Também passei a comprar calças de tamanho maior.
Abri um novo documento e escrevi o título: “TUDO O QUE EU NÃO DISSE (ainda): notas para meu psicanalista”. É neste arquivo que escrevo agora. Embora eu já tenha falado desse assunto tantas vezes, ainda sinto que não o esgotei o bastante porque continuo acordando com a marca das unhas na palma da mão e a nuca colada às costas.
Uma criança brinca de encaixar formas cilíndricas em um quadrado de madeira, de algum jeito ela consegue que o triângulo entre no círculo. Ela comemora e não se dá conta de que precisou quebrar e diminuir o triângulo incontáveis vezes até que ele, vencido, caísse no buraco. Agora não há mais triângulo e o círculo parece mal preenchido. O que, a grosso modo, é apenas uma grande merda – ou um grande erro, se você achar mais adequado.
Lembro de quando eu acordava no meio da pandemia sonhando com novas variantes e achava que isso era o pior, e dizia: eu conto tantos mortos todos os dias que me sinto soterrada por eles. E agora estou aqui tentando respirar enquanto minha nuca se cola às costas e minhas unhas arrebentam a palma das minhas mãos. Até parece que estão tentando dizer que estou viva e, por isso, tudo dói.
— H. Conrado