“O sol na cabeça” e a escrevivência
A voz carioca de Geovani Martins preenche nossos olhos e ouvidos
Em “O sol na cabeça”, a voz carioca de Geovani Martins salta para fora das linhas e preenche nossos ouvidos ao longo dos 13 contos que compõem o livro. O autor parece não fazer esforço algum para trabalhar a oralidade, tarefa dificílima para quem se propõe a escrever da maneira como se fala.
De forma honesta, a obra nos transporta para o dia a dia das favelas do Rio de Janeiro. No seu livro de estreia, publicado em 2018, Geovani Martins dá ainda mais corpo à literatura que Conceição Evaristo cunhou de “escrevivência”. A cada página, ele nos convida a pensar o cotidiano de quem divide a vida com a força repressora da polícia, das milícias e do crime organizado.
“Quando nós tava quase passando pela fila que eles armaram com os menó de cara pro muro, o filho da puta manda nós encostar também. Aí veio com um papo de que quem tivesse sem dinheiro de passagem ia pra delegacia, quem tivesse com muito mais que o da passagem ia pra delegacia, quem tivesse sem identidade ia pra delegacia. Porra, meu sangue ferveu na hora, sem neurose. Pensei, tô fodido; até explicar pra coroa que focinho de porco não é tomada, ela já me engoliu na porrada.” – Trecho de “Rolézim”, conto de abertura de “O sol na cabeça” (Geovani Martins)
Não importa se homem ou menino, o autor explora e dá a devida dimensão para os sentimentos de cada personagem. Seja das crianças que vivem entre o medo e a fantasia sobre a senhora macumbeira que mora no fim da rua. Dos menó que só querem tirar um lazer na praia, mas tropeçam na barreira social que os impede de viver a cidade. Ou ainda do menino que se divide entre o medo de trair a confiança do pai e a vontade de exibir uma arma para os amigos.
Durante a leitura, tive momentos de prender a respiração, sentir medo e aflição pela espera do parágrafo seguinte, mas também quis bocejar com algumas histórias. Você já leu algo e sentiu que aquilo é exatamente como a vida funciona? Às vezes empolga, outras assusta, pode ser confusa, deliciosa, difícil, complicada, tediosa. Pois é, em “O sol na cabeça” ficamos cara a cara com o cotidiano e nos reconhecemos um pouco em cada página.
Então, lá vai o meu pitaco: não perca a chance de conhecer Jean, Vitim, Poca Telha, Dona Iara e os outros personagens que Geovani Martins nos apresenta. “O sol na cabeça” nos ensina a enxergar a vida com mais generosidade.
“Queria era ser jogador de futebol, piloto de avião, técnico em informática. Agora, enquanto desce a ladeira pra chegar na saída do morro, só consegue pensar que tudo vai ser muito diferente.” – Trecho de “Travessia”, conto que encerra “O sol na cabeça” (Geovani Martins)
Sobre o autor: Geovani Martins é carioca. Em 2013 e 2015, participou das oficinas da Festa Literária das Periferias, a Flup. Publicou alguns de seus contos na revista Setor X e foi convidado duas vezes para a programação paralela da Flip. Seu primeiro livro, “O sol na cabeça”, está sendo adaptado como série. Em 2022, lançou “Via ápia”, seu primeiro romance.