“Não fossem as sílabas do sábado” e o peso da vida
Neste livro, a escritora trabalha o luto sem o esforço da elaboração
Tudo o que a ausência provocada pela morte toca, vira dor em "Não fossem as sílabas do sábado". Cada construção de frase é pensada para desenrolar as camadas do sofrimento de Ana, personagem que narra a história, perante a perda repentina de seu marido André. Calma, isso não é um spoiler, é literalmente a segunda página.
Neste livro, a escritora Mariana Salomão Carrara trabalha o luto sem o esforço da elaboração. É a descrição crua da dor, quando a melancolia é a porta de entrada e de saída de todas as ações.
Por isso, o meu pitaco é: se o luto ainda for uma ferida aberta em você, talvez não seja o momento para a leitura.
“Uma mulher em ruínas, e eu quis saber se eu já estava aquilo também, se em algumas horas já tinha me tornado aquele espantalho desencarnado e talhado, o rosto dobrado em vincos de uma dor que ia forçando as expressões de dentro pra fora até que toda a cara era um grito travado, e por isso eu procurava nela uma boca escancarada que não vinha, uma boca tão aberta que justificasse o esgar de todo o resto”.
– Não fossem as sílabas do sábado (Mariana Salomão Carrara)
Neste livro, suicídio, luto e maternidade se engalfinham em uma narrativa que tenta compreender o peso da vida quando o único desfecho certo é morrer, não importa a trajetória, a hora do dia ou sentimento latente no momento do fim. A autora nos mostra que a morte é trivial e como nos esquecemos disso constantemente.
Mas essa também é uma história sobre amizades improváveis e cuidado. A antagonista dessa dor persistente é Madalena, personagem coadjuvante que carrega um luto próprio e remodela a perspectiva do sofrimento toda vez que entra em cena. É ela quem nos lembra de que a vida precisa acontecer mesmo que a sua razão de ser seja acabar.
E que bom que Madalena existe nessa trama, porque, em algum momento, a dor também leva quem lê à exaustão. A recusa de Ana em encarar a vida é insistente e nos faz questionar se o luto, de alguma maneira, encontra um lugar dentro da gente onde é capaz de se adequar – o livro não nos leva até ele.
No fim, eu quis que tivesse uma segunda parte narrada por Madalena. Quem é essa mulher que parece tão livre de culpa e arrependimentos? Que conseguiu encarar a dor e ver através dela? Conte-nos, Mariana, por favor.
Sobre a autora: Mariana Salomão Carrara é paulistana e venceu o Prêmio São Paulo 2023 de Melhor Romance do Ano com “Não fossem as sílabas do sábado”. Ela também é autora de “Delicada uma de nós”, “Idílico”, “Fadas e copos no canto da casa”, “Se deus me chamar não vou” e “É sempre a hora da nossa morte amém” – os dois últimos indicados ao Jabuti.
Hysa, já vou procurar pra ler! Já tava com "Se deus me chamar não vou" na lista.