Tive o prazer de passar o final de semana inteiro na companhia de um pedreiro que fazia uns reparos aqui no telhado de casa. Nada melhor do que sujeira de obra pra limpar. Na sexta ele chegou cantarolando “chora, não vou ligar, chegou a hora”. Nem achei ofensivo, gosto da Beth Carvalho.
Seu Pedro, o pedreiro, tem uma auréola grisalha e um bigode grosso, quase um santo católico. Mas me contou que já comprou dois carros zero quilômetro apostando no bicho e quase ficou rico uma centena de vezes. Eu gostei do assunto, mas ele disse que apostar era fácil, difícil mesmo era ganhar. Para alguém que ganhava quase todo mês, achei a constatação um exagero.
Sagrados e inquestionáveis foram os intervalos na obra para ir molhar as palavras. Num sábado de sol, é claro que minha casa não ganha do bar da esquina nem a pau.
– Já fui lá, fia. Tomei uma e esfriei a cabeça, esse serviço aqui tá dando trabalho.
– E eu não sei, seu Pedro? Eu até ajudaria se pudesse, mas nem podendo beber eu tô por conta dessa gripe.
Rimos.
Durante os três dias de obra minhas gatas ficaram impedidas de ir à cozinha, justo onde fica a janela favorita delas. Esse foi o preço para que ele pudesse trabalhar em paz, sem o perigo de pisar em uma pata. Mas essa reclusão não saiu de graça: miados estridentes e arranhões na porta foram alguns dos protestos.
– Tadinhas, elas tiveram que ser sacrificadas, fico com dó das bichinhas – seu Pedro falava enquanto serrava um pedaço de madeira – … num foi sacrificado pela nação? Faz parte.
Com o barulho do serrote, não consegui entender de quem ele falava, mas apostei todas as fichas em Jesus Cristo, concordei e deixei rolar.
– Mas olha como tá esse país agora, valeu de alguma coisa? – enquanto ele completava o raciocínio eu continuei apostando no filho de Deus, porque fazia todo sentido – Por isso eu falo: Tiradentes morreu foi de graça, não valorizaram o que ele fez.
No fim, apostei errado. Mas é o que dizem: nem Jesus agradou a todos.
— H. Conrado
*Arte: Didier Lourenço